segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Quando se deve recorrer ao médico numa criança com febre?

O terceiro dia de febre é um mau dia para se ir ao médico


Quando se deve recorrer ao médico numa criança com febre?

Quando for preciso!
Não existe dia para uma consulta médica na criança com febre.
Existem sim sinais / sintomas que, associados à febre, justificam recorrer ou não ao um médico / hospital.
A presença de qualquer dos sinais abaixo indicados, independentemente do dia de febre, justificam consulta imediata ou urgente.


Justifica-se observação imediata:

Por cada 1.000 episódios de febre, num deve-se ir imediatamente ao hospital. Poderá estar em causa: meningite, sépsis, encefalites, pericardites endocardites. Não se deve perder tempo perante:
  • Choro / dores intensas ou comportamentos indicativos de dor forte em qualquer local do corpo, em especial se são despertadas por qualquer tipo de movimento ou pela manipulação; 
  • Recusa do colo com choro, preferindo o leito, após várias tentativas com algum tempo de intervalo;
  • Manchas vermelhas dispersas pelo no corpo, que surgem logo no primeiro dia de febre (mesmo que apareçam e desapareçam em minutos ou horas), numa criança que “não está bem”;
  • Manchas tipo picada de pulga (que não desparecem à pressão com um dedo); 
  • Palidez intensa de instalação em poucas horas, sobretudo se associada a sede intensa e/ou a gemido;
  • Sede intensa, não saciável (avidez pelos líquidos);
  • Choro débil, pouco audível ou pelo contrário, choro inconsolável para além de 2 a 3 horas seguidas e que persiste após analgésico. 
  • Gemido constante; 
  • Prostração mantida – isto é, se a criança “estando acordada, se comporta com se estivesse a dormir”, permanecendo alheia ou quase alheia à presença dos pais ou indiferente a estímulos habitualmente fortes para elas; 
  • Sonolência excessiva e prolongada para a situação;
  • Alteração do estado de consciência;
  • Pausas respiratórias prolongadas (superiores a 10 segundos), ficando o doente roxo;
  • Convulsão;
  • Recém-nascidos.


Justifica-se observação urgente (no próprio dia):

Cerca de 10% dos episódios de febre em idade pediátrica são devidos a infeções bacterianas e/ou a manifestações graves de doenças virusais, que vão necessitar de tratamento antibiótico e/ou de cuidados hospitalares. Deve ser observada por médico, em menos de 24 horas após o seu início, toda a criança com febre associada a qualquer um dos seguintes sinais e/ou sintomas:
  • Gemido expiratório, isto é, expiração interrompida, ouvindo-se um intermitente e mantido (horas): hhham … hhham … hhham; 
  • Respiração persistentemente acelerada (> 60 ciclos respiratórios por minuto) avaliada com a criança a dormir;
  • Olhar triste, mantendo as pálpebras persistentemente entreabertas ao fim de várias horas;
  • Diarreia profusa líquida associado a avidez pelos líquidos; 
  • Sede intensa, não saciável; 
  • Recusa mantida (muitas horas) na ingestão de bebidas, seja o leite e/ou outros líquidos;
  • Vómitos repetidos (mais de 4 em poucas horas), sobretudo se surgem fora das refeições e que não são induzidos pela tosse; 
  • Sono habitual muito perturbado: a criança está incapaz de adormecer ao fim de várias horas, não conseguindo fazer um sono repousante, com acordares muito frequentes. 
  • Dedos e/ou os lábios que ficaram roxos durante a fase de subida térmica (“acrocianose da subida da febre”);
  • Calafrios mantidos com duração superior a 5 minutos – o corpo “treme todo” (tremores generalizados sem perda de consciência), acompanhado de ereção dos pelos e com tiritar dos dentes; não se deve confundir com convulsão (que dá perda da consciência);
  • Febre axilar superior a 40ºC e/ou rectal superior a 41ºC em duas ou mais avaliações com intervalo superior a 4 horas;
  • Manchas vermelhas difusas que se iniciaram nos primeiros dois dias de febre, tipo queimadura do Sol, ásperas ao deslizar da mão, sobretudo no tronco, raiz dos membros e no períneo;
  • Urina turva e/ou com mau cheiro; 
  • Recusa ou impossibilidade na mobilização de um ou mais membros ou parte de um membro; 
  • Dificuldade na mobilização do pescoço;
  • Torcicolo;
  • Idade inferior a 3 meses. 


Pode protelar-se a observação por médico

Cerca de 90% dos episódios febris são quadros benignos e maioritariamente autolimitados. Estes cursam com um conjunto de sinais e sintomas cuja presença sugere benignidade. São exemplos: tosse incomodativa, aftas na boca, conjuntivite, manchas róseas que surgem para além do 3º dia de febre, etc.
Não obstante poderem incomodar a criança e/ou os pais, esses sinais (na ausência dos sinais de gravidade atrás referidos) são tranquilizadores pois são indicadores de infeções sem gravidade.

sábado, 16 de agosto de 2014

A vacina contra o Meningococo B

O Meningococo B é uma bactéria que pode provocar infeção grave (sépsis e ou meningite) em todas as idades, mas em especial nas crianças e nos adolescentes. É uma doença grave com uma taxa de mortalidade entre 5 a 10% e elevada taxa de sequelas nos sobreviventes. A vacinação em massa de crianças e adolescentes irá permitir uma redução drástica na incidência de uma das doenças infeciosas mais graves da atualidade.


Como se manifestam as infeções por meningococos?

Os doentes surgem com febre e mau estado geral (prostração, sonolência e palidez acentuadas, gemido, etc.), de evolução muito rápida. Será imperativo que estes doentes sejam observados e internados logo no 1º dia de doença, devendo iniciar tratamento específico o mais breve possível, sob risco de um desenlace fatal e/ou de ficarem com sequelas graves. Saiba mais sobre meningococos aqui.


A sequência das manifestações clínicas é muito rápida, logo nas primeiras 24 horas da doença



Como se pode evitar esta infeção?

Na prática não havia forma de a prevenir, exceto após o reconhecimento dum primeiro doente, pela medicação dos contactos próximos (íntimos) deste primeiro doente. Essa medicação preventiva só servirá para esse momento.
Apenas a vacinação específica será eficaz como prevenção em geral.


Que vacinas existem? E qual a sua eficácia?

Desde 2001 que existe vacina contra o Meningococo C, que já faz parte PNV (Programa Nacional de Vacinação), atualmente com a recomendação de uma única dose aos 12 meses.
Em Junho de 2014 foi comercializada em Portugal a vacina (única ainda) contra o Meningococo B (Bexsero) de administração exclusivamente intramuscular.


Qual a eficácia desta vacina?

A Neisseria meningitidis do grupo B tem mais de 8.000 variedades (“cepas”, serotipos) diferentes. O Bexsero confere imunidade para 73% a 87% dos meningococos B (os que mais vezes são responsáveis por infeções graves).


A vacina Bexsero pode ser administrada simultaneamente com outras vacinas?

Sim. Tratando-se de uma vacina “morta”, poderá ser administrada no mesmo dia de outras vacinas do PNV ou extra-PNV ou uns dias depois destas.
Tratando-se de uma vacina “morta”, não é preciso guardar-se o intervalo de um mês entre outras vacinas.


Quem deve ser vacinado e até que idades?

Devem ser vacinadas todas as crianças (mesmo os indivíduos com as defesas diminuídas) idealmente a partir dos 2 meses de idade, assim como todos os adolescentes e adultos muito jovens. Mas não existe idade limite para esta vacina.


Porquê os adolescentes?

O contágio desta doença exige contacto íntimo. Os beijos, os grupos, a partilha do cigarro, do copo, etc., etc., proporciona uma transmissão muito fácil neste grupo etário.


Quais os riscos da vacina Bexsero?

Trata-se de uma vacina muito segura, resultado de 20 anos de estudos. São reduzidos os efeitos secundários potenciais: eritema no local da injeção, febre (surge no dia da vacina e tem duração inferior a um dia em ≈50% dos caso) e irritabilidade. Muito mais raramente poderá ocorrer sonolência, choro intenso, convulsão, diarreia e vómitos.


Quantas doses são necessárias?

O meningococo B é uma bactéria muito mais complexa que o meningococo C. Daí exigir mais doses de vacina do que o C. Dependendo da idade, serão necessárias entre 2 a 4 doses (Tabela I).


Tabela I: Resumo da posologia (número de doses) - igual para todas as idades (0,5 ml).



Qual o preço da vacina Bexsero?

Rondará os 98 Euros por cada dose.


Onde deve ser conservada a Bexsero?

No frigorífico entre 2ºC a 8ºC – na prateleira acima da hortaliça. Não se deve retirar da embalagem.

A prevenção da infeção por Meningococo B: uma realidade atual

A Neisseria meningitidis ou meningococo B, é uma bactéria que pode provocar infeções graves (sépsis e/ou meningite) em todas as idades, mas em especial nas crianças e nos adolescentes.
Logo no primeiro dia de doença os doentes ficam gravemente doentes com febre, prostração, dores nos membros e manchas róseas que evoluem para petéquias e/ou púrpura.
As elevadas mortalidade e morbilidade e as potenciais sequelas definitivas, justificam a vacinação generalizada das crianças e adolescentes.


O que são meningococos?

São bactérias, denominadas cientificamente como Neisseria menigitidis, que provocam infeções muito graves (sépsis e/ou meningite), mais frequentemente em crianças e adolescentes (Figura 1, 2, 3 e 4).
Os contágios íntimos (os grupos, beijos, cigarros partilhados, etc.…) justificarão o segundo pico da incidência desta doença nos adolescentes (Figura 2).
As Neisseria meningitidis mais comuns são os do grupo A (mais em Africa) e as dos grupos B e C (Europa, Américas, …).
Há mais de 10 anos que as crianças são vacinadas, por rotina, contra o meningococo C. Só em Junho de 2014 se iniciou a comercialização da vacina contra o meningococo B.
Pela elevada mortalidade, a sépsis por Neisseria meningitidis (infeção generalizada do corpo) ainda é mais grave do que a meningite. É frequente a ocorrência destas duas formas da infeção em simultâneo.

Figura 1: Casuística de 218 casos de infeção por Neisseria meningitidis (todos com culturas positivas), tratadas no Hospital Pediátrico de Coimbra (de 1980 a 2012): 42% ocorreram no 1º ano de vida; 5% morreram.

Figura 2: Prevalência da meningococemia e a imunidade adquirida (por contactos inadvertidos) e por idades; nos primeiros meses de vida transmitidos pela mãe; adaptado de: Pollard AJ et al. Neisseria meningitidis. In: Long SS et al. Principles and Practice and Pediatric Infectious Diseases 3th ed, 2008: pg 735.

Figura 3: Recém-nascido de 13 dias com sépsis por Neisseria menigitidis do grupo B; inicialmente apenas grande irritabilidade e lesão única de púrpura num braço; foi imediatamente internado e iniciado tratamento específico; só várias horas depois teve febre (máxima axilar 38,3ºC). Veio a ter sequelas nas ancas (coxoartrose).

Figura 4: Adolescente de 12 anos com púrpura; primeira queixa: dor intensa no 1º dedo do pé direito; na evolução exigiu amputação do 1º dedo do pé direito. Foto à 8ª hora de febre.



Como é que se manifestam as infeções por meningococos?

Em regra as crianças surgem com febre (alta ou não, difícil de controlar ou não), prostração (muito mais “caído” em comparação com episódios já passados de febre), sonolência excessiva, dores no corpo (que se pode manifestar nas crianças mais jovens apenas com choro à manipulação) e manchas no corpo.

Prostração é, estando acordado, comportar-se no corpo e na alma, como se estivesse a dormir.


Figura 5: A sequência das manifestações clínicas é muito rápida, logo nas primeiras 24 horas da doença


Logo no primeiro dia de doença é comum surgirem “pintinhas” espalhadas pelo corpo, sobretudo nos membros inferiores. Inicialmente podem ser manchas rosadas (Figura 6) surgindo depois, ou em simultâneo, uma pinta negra no meio dessas lesões róseas (são as petéquias), que não desaparecem à pressão, por exemplo com um vidro (Figuras 7, 8 e 9).
Quando as manchas escuras são superiores a 5 a 10 mm, denominam-se “púrpura” (Figuras 3 e 4).

Figura 6: Exantema róseo da infeção meningocócica: as manchas róseas surgem geralmente no primeiro dia de febre (podem ser fugazes = transitórias), ou preceder as petéquias (Figuras 7, 8 e 9).

Figura 7: Menino, 13 meses; sépsis meningocócica com prostração, manchas róseas e petéquias (≈ picada de pulga) com início nas primeiras 12 horas de febre; febre máxima 38,7ºC; teve boa evolução.

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Figura 8: Rapaz, 6 anos no 2º episódio de meningococemia: manchas róseas (máculas) e petéquias (fotos à 19ª hora de febre); 1º episódio aos 3 anos de idade.

Figura 9: Menino 2,5 anos, com sépsis com raras petéquias (não desaparecem à pressão com vidro); foto realizada à 12ª hora de febre.



Em regra as crianças e os adolescentes recorrem ao médico nas primeiras horas de febre (logo no primeiro dia). Como estão já “muito doentes” – com acentuadas prostração e sonolência, palidez intensa, vómitos, etc. – imediatamente são internadas e iniciam logo o tratamento (…ou pelo menos deveriam...).


Será imperativo que estes doentes sejam observados, internados e iniciem tratamento antibiótico adequado endovenoso, logo no 1º dia de doença, sob risco dum desenlace fatal e/ou ficarem com sequelas graves.


Que complicações pode trazer a infeção por Meningococo B?

Entre 5% a 10% virão a morrer (Figura 1). Nos que sobrevivem, são frequentes as sequelas: surdez, atraso mental, amputações de membros, etc.


Mas de onde provém a infeção? Quem contagia?

Periodicamente os meningococos colonizam (temporariamente) a garganta das pessoas, adultos ou não: estão presentes nas gargantas sem causarem doença. É o estadio “portador assintomático”. Em regra esses adultos estão imunes e por isso não contraem doença. Mas contagiam os outros.
E os problemas surgem se esses outros não estão imunes (sobretudo crianças e/ou adolescentes) – Ver figura 2.
Na maioria das vezes, são os cuidadores dos doentes, mais vezes os familiares mais próximos (pais, avós, etc.) que estão a origem da infeção.



Site aconselhado: www.bexsero.com



Nota: As fotas as fotos foram por mim tiradas com intuitos formativos e com a autorização dos pais. São testemunhos da minha experiência na Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital Pediátrico de Coimbra, desde 1988.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

O terceiro dia de febre é um mau dia para se ir ao médico


Ao contrário do que se tantas vezes se ensina, o 3º dia de febre é um MAU dia para se ir ao médico:
  1. Para as DOENÇAS GRAVES é TARDE demais:
    1.   67% (2/3) são internadas nas primeiras 24 horas da doença
    2.   ≈ 80% são internadas nas primeiras 48 horas da doença
  2. Para as DOENÇAS BENIGNAS e AUTOLIMITADAS (são a larga maioria das doenças febris) é CEDO demais:
    1.   > 50% duram > 72 horas (> 3 dias)
    2.   ≈ 30% duram > 120 horas (> 5 dias)
    3.   ≈ 10% duram 7 ou mais dias.