segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A gripe sazonal - 4ª parte: Potenciais complicações e os “Grupos de Risco”

Geralmente a gripe é uma doença relativamente benigna. Contudo, não são raras as suas complicações, algumas podendo colocar a vida em risco. Estas podem ocorrer em qualquer indivíduo, sendo mais comuns nos indivíduos dos “Grupos de Risco”.
O conhecimento das potenciais complicações e dos “Grupos de Risco” são importantes para a adoção das medidas preventivas e de vigilância.



A gripe é perigosa?

Não para a larga maioria das pessoas. Nalgumas, a gripe poderá cursar com complicações de gravidade variável.

  • A gripe e as suas complicações são responsáveis por ≈ 20% das hospitalizações nos meses de inverno, maioritariamente com pneumonias bacterianas.
  • O risco de morte pela gripe, em si e/ou pelas suas complicações, ronda os 4 por 100.000 casos.


Quais são as potenciais complicações da gripe?

São variadas as potenciais complicações da gripe. As mais frequentes estão descriminadas no Quadro I e na Figura 1, várias exigindo hospitalização.

Quadro I: Potenciais complicações da própria gripe (primárias) ou secundárias
  • Pneumonia primária da gripe
  • Infeções bacterianas secundárias:
    • Pneumonia secundária – por Streptococcus pneumoniae, ou Staphylococcus aureus, etc.
    • Laringotraqueobronquite / traqueíte bacteriana
    • Otite média aguda
    • Sinusite aguda
  • Desencadear crises graves de asma
  • Encefalite / encefalopatia
  • Miocardite e/ou pericardite
  • Miosite aguda = inflamação aguda dos músculos
  • Convulsão febril
  • Morte súbita inexplicável

Figura 1 - Potenciais complicações da gripe

Como é que a gripe pode levar à morte?

À exceção da otite média aguda, da sinusite aguda, da miosite aguda e da convulsão febril, todas as restantes complicações descritas no Quadro I poderão complicar-se de morte, pelas razões explicadas no Quadro II.

Quadro II: Mecanismos patológicos que podem levar à morte no decurso da gripe
  1. Insuficiência respiratória grave com dispneia (falta de ar): pneumonias, traqueíte, laringotraqueobronquite, asma grave. 
  2. Coma (encefalite); 
  3. Insuficiência cardíaca ou alteração do ritmo cardíaco. 
  4. Morte súbita idiopática

Muitas das mortes que ocorrem no decurso da gripe ficam sem explicação: são as mortes súbitas idiopáticas.
Felizmente, a morte é rara no decurso da gripe, exceto nos idosos muito debilitados e/ou em indivíduos com doenças crónicas debilitantes.


Essas complicações só surgem nos “Grupos de Risco”?

Não. São frequentes nos “Grupos de Risco”, mas também ocorrem em indivíduos não considerados de risco.

Quais são os indivíduos considerados “Grupos de Risco”?

No Quadro II são descriminados os indivíduos que têm risco acrescido de sofrer complicações no decorrer da gripe. Estes indivíduos justificam medidas preventivas reforçadas e uma maior vigilância clínica (Figuras 2 a 5).

Figura 2 e 3: Os idosos, as crianças com menos de 6 meses de idade e as grávidas, pertencem aos  “Grupos de Risco” de desenvolverem complicações no decurso da gripe.


Figuras 4 e 5: Os asmáticos e os obesos mórbidos também estão incluídos nos “Grupos de Risco”



Quadro III: “Grupos de Risco” – indivíduos com maior probabilidade de sofrerem complicações no decurso da gripe
  • Idade > 65 anos
  • Indivíduos residentes em instituições
  • Indivíduos sob internamento prolongado na época da gripe
  • Grávidas
  • Portadores de doenças crónicas:
    • Cardiovasculares – com compromisso da função cardíaca;
    • Défices de imunidade – SIDA, imunodeficiências primárias, imunossupressão medicamentosa, Endócrinas – diabetes mellitus, etc. Hematológicas – drepanocitose, outras hemoglobinopatias, etc.
    • Neurológicas – sobretudo se compromisso neuromuscular;
    • Obesidade mórbida (“doentia”, excessiva)
    • Pulmonares – asma brônquica, fibrose quística, doença pulmonar crónica, etc.
    • Renais – síndroma nefrótico, insuficiência renal crónica, etc.
    • Reumatológicas – lúpus eritematoso sistémico, dermatomiosite, esclerodermia, etc., em especial os doentes medicados com fármacos que diminuem as defesas (imunossupressores)
  • Doentes transplantados
  • Outras doenças crónicas debilitantes, em especial sob terapêuticas prolongadas com fármacos que diminuem as defesas naturais (imunossupressores).
  • Medicação prolongada com ácido acetilsalicílico (aspirina) ou derivados, em doses anti-inflamatórias – por exemplo na febre reumática.
  • Crianças com idade inferior a 6 meses*.
* As crianças com menos de 2 anos têm uma maior taxa de complicações comparativamente à população em geral. Mas tradicionalmente não são incluídos nos “grupos de risco”.

Se os indivíduos dos “Grupos de Risco” contraírem gripe, devem procurar assistência médica?

Sim, mas a orientação vai depender da gravidade e duração das manifestações clínicas.

Qual o prognóstico a longo prazo da gripe?

Em regra é excelente. É variável nos casos complicados de pneumonia, encefalite ou miocardite, decorrente de terem ficado ou não complicações definitivas (sequelas).


Próximo texto: Gripe sazonal – 5ª parte: Diagnóstico, tratamentos e sinais de gravidade.


sábado, 18 de janeiro de 2014

A gripe sazonal - 3ª parte: Manifestações clínicas e sua duração

Dominam a clínica da gripe: tosse seca, obstrução nasal, dores de garganta, cefaleias, dores musculares e a febre com calafrios. Nas crianças mais jovens são comuns os vómitos e a diarreia.
A febre dura até 5 dias, podendo prolongar-se mais de 7 em especial nos casos com febre a dois tempos (intervalo livre de 1 a 2 dias).
A tosse geralmente prolonga-se para além das 3 semanas.



Toda a gente exposta aos vírus da gripe adoece?

Não. Os que já tiveram contactos com os vírus da gripe semelhantes (ou foram adequadamente vacinados) adquiriram imunidade total ou parcial, estes manifestando apenas sinais de constipação e tosse ligeira com ou sem febre.

Quanto tempo decorre entre o contágio e o início dos sintomas da gripe?

Esse período denomina-se período de incubação, que no caso do vírus da gripe, dura em média 2 dias, com extremos de 1 a 4 dias (figura 1).
O período de incubação é variável de vírus para vírus, sendo muito curto na gripe.


Como é que os vírus invadem o organismo?

A gripe é essencialmente uma infeção das células das mucosas do aparelho respiratório. Ao atingirem a boca, o nariz, as conjuntivas ou os brônquios, o vírus influenza penetra e multiplica-se (replica-se) nas mucosas, onde provocam a destruição (necrose) das respetivas células, que coincide com o início dos sintomas.
Muitos vírus atingem a corrente sanguínea, provocando manifestações clínicas não respiratórias (figura 2).


Quais os sinais e sintomas mais comuns na gripe?

A gripe manifesta-se subitamente com febre elevada (geralmente > 39ºC axilar), calafrios (tremores generalizados), mal-estar geral, fadiga, perda de apetite, tosse, dores de garganta (associado a vermelhidão da faringe), dores de cabeça, dores musculares (mialgias).
A tosse é seca, frequente e incomodativa nos primeiros dias da doença, surgindo depois a expectoração.
Nas crianças é comum ocorrer também “tosse de cão” (tosse rouca ou cruposa), conjuntivite, dores abdominais, vómitos e a diarreia e, por vezes, convulsões febris (figura 3).


Quais são as manifestações menos comuns na gripe?

Excecionalmente podem ocorrer sintomas próprios do envolvimento do coração (com arritmias, etc. por miocardite) e do cérebro (diminuição da consciência, convulsões) por encefalite.
Nalgumas crianças surgem manchas vermelhas no corpo (exantema) que se iniciam depois do 3º dia de febre. Outras, já na fase de recuperação da gripe, surgem com dores musculares muito intensas que as impedem de caminhar (por miosite aguda), que duram 3 a 5 dias (mais pelo vírus influenza do tipo B).


Como se distingue clinicamente a gripe dos vulgares “resfriados”

Os “resfriados”, designados pelos médicos como rinofaringites ou “catarros respiratórios superiores, são provocados pelos vírus sincicial respiratório (VSR), rinovírus, vírus parainfluenza e adenovírus.
Estes vírus também causam epidemias ─ envolvendo crianças, adolescente e adultos ─ com clínicas muito semelhantes à da gripe (ver 1º texto).
Embora clinicamente seja frequente serem indistinguíveis, algumas diferenças clínicas poderão ajudar a diferenciá-las (Tabela I).

Tabela I: Diferenças clínicas entre a gripe e os “resfriados”
Clínica
Gripe
Rinofaringite
Início
Súbito
Gradual / Insidioso
Febre elevada (> 39ºC)
++++
++ / + / -
Coriza (“constipação”)
++
++++
Tosse
++++
++
Dores cabeça (cefaleias)
++++
++ / +
Dores de garganta
++
+++
Faringe vermelha
++
++
Dores musculares (mialgias)
+++
+ / -
Cansaço muscular
+++
+ / -
- pode faltar; + - por vezes; ++ frequente; +++ muito frequente; ++++ característico


Quanto tempo dura a febre na gripe não complicada?

A febre tem uma duração variável, sendo comum durar 5 a 7 dias. Mas pode ter uma evolução a dois tempos: febre durante 3 a 5 dias; apirexia 1 a 2 dias; febre novamente durante mais 2 a 3 dias. Daí que seja frequente a febre durar mais de 7 dias.
Contudo, esta evolução a dois tempos deve contudo sugerir a eventualidade duma complicação, sobretudo a pneumonia bacteriana, mas também a otite média aguda e a sinusite


Quantos semanas dura a tosse na gripe?

Nos primeiros 4 a 7 dias de doença, a tosse é seca e irritativa, tornando-se depois produtiva (com secreções) durante mais 1 a 2 semanas.
Na gripe, a recuperação completa da mucosa respiratória demora 15 ou mais dias após o início da infeção.
Isto justifica que mais de 10% das crianças terão tosse para além de 4 semanas. Mas a tosse intensificar-se-á e/ou prolongar-se-á ainda mais se, entretanto, a criança contrair uma nova infeção virusal respiratória (“um novo resfriado”, “mais uma virose”), como tantas vezes acontece nas creches, nos jardins de infância e nas escolas.


Próximo texto: Gripe sazonal – 4ª parte: Potenciais complicações da gripe e os grupos de risco