terça-feira, 21 de julho de 2015

Nas doenças evitáveis por vacinas, a precocidade na prevenção é mais importante que os intervalos de comodidade


Em Portugal, no cumprimento da primovacinação (as primeiras 2 a 3 doses sequenciais da MESMA vacina) a realizar no primeiro ano de vida, oficialmente são calendarizadas doses de vacinas para os 2, 4 e 6 meses de idade.
Em vários países europeus a primovacinação é efetuada aos 2, 3 e 4 meses de idade, incluindo as vacinas extracalendário.
A preocupação em minimizar o desconforto de várias picadas no mesmo dia, tem levado muitos profissionais de saúde a recomendarem a calendarização das vacinas extracalendário para os 3 e 5 meses de idade.
O facto das doenças visadas por estas vacinas terem a maior gravidade no primeiro ano de vida, em especial nos primeiros 6 meses, justifica que a precocidade na prevenção seja a mais importante que os intervalos de comodidade.

Qual será então a alternativa?

Tratando-se de vacinas “mortas”, NÃO é preciso guardar um intervalo de um mês entre DUAS VACINAS DIFERENTES, podendo efetuar-se com QUALQUER INTERVALO entre si.
Se existir alguma razão para as vacinas não serem realizadas todas no mesmo dia, defendo que se deve completar a vacinação 5 a 7 dias depois. O que considero excessivo é esperar um mês.
Será terrível, também para quem muda o plano inicialmente proposto, se uma criança adoecer com uma infeção grave que tem vacina, enquanto espera desnecessariamente pelo ato vacinal.


Artigo completo: A calendarização das vacinas no primeiro ano de vida não é uniforme nos diversos países da Europa

A calendarização das vacinas no primeiro ano de vida não é uniforme nos diversos países da Europa

À excepção da vacina conta a tuberculose, o Bacillus Calmete-Guérin ou BCG, todas as restantes vacinas administradas no primeiro ano de vida são vacinas “mortas”. Atualmente estas vacinas contêm apenas alguns dos constituintes dos agentes infeciosos. Sendo muito “puras”, são muito bem toleradas, sem efeitos secundários ou com reações locais ligeiras e/ou com febre baixa e de curta duração.
Mas sendo vacinas “mortas”, não se multiplicam. Por isso não induzem suficientes respostas imunitárias apenas com uma dose de vacina. Daí que sejam necessárias 2 a 3 doses sequenciais da MESMA vacina para se completar a primovacinação (o número de doses necessárias é variável de vacina para vacina). Mais tarde, serão necessários reforços para o organismo se ir “lembrando” depois dessas infeções.


Como se deve calendarizar a primovacinação com vacinas “mortas”?

A calendarização das vacinas no primeiro ano de vida não é uniforme de país para país. Na Europa existem vários esquemas (Tabelas 1, 2 e 3)

Tabela 1: Calendarização da vacinas no primeiro ano de vida em 34 países europeus:
2-3-4 meses
2-4-6 meses
Esquemas variáveis
Alemanha
Áustria
Dinamarca
Bélgica
Chipre
Eslováquia
Bulgária
Croácia
Estónia
Escócia
Espanha
Finlândia
Eslovénia
Grécia
Islândia
França
Irlanda
Itália
Holanda
Letónia
Malta
Hungria
Lituânia
Noruega
Inglaterra
Portugal
Polónia
Luxemburgo
Roménia
República Checa
País de Gales
Suíça
Suécia
Turquia


Qual o é esquema simultaneamente mais eficaz e mais seguro?

Nenhum é mais eficaz nem mais seguro. Para uma vacina “morta” ser eficaz, o intervalo mínimo entre OUTRA DOSE DA MESMA VACINA é de 1 mês. O cumprimento da primovacinação é que parece ser maior com o esquema 2-4-6, o contribuiu para que 35% dos países europeus tenham optado por este esquema (Tabela I).


Tabela 2: Calendário vacinal alemão
DTaP: D - Difteria; T- tétano, aP - Pertussis acelular (tosse convulsa acelular); IPV - vacina antipoliomielite inativada; Hib - Haemophilus influenza to tipo b; PCV- vacina antipneumocócica; MenC - vacina antimeningococo C; MMR = VASPR - vacina do sarampo, parotide e rubéola; Var - vacina da varicela; dTap = DTaP; HPV - contra o papilomavírus (do cancro do colo do útero); (http://www.euvac.net/graphics/euvac/vaccination/germany.html)  


Tabela 3: Calendário vacinal suíço (igual ao português)
PCV – vacina antipneumocócica
(http://www.euvac.net/graphics/euvac/vaccination/switzerland.html)
Siglas – ver legenda da Tabela 2.

Quais as desvantagens do esquema 2-3-4 meses?

Para além do número de vacinas num só dia (ainda mais quando são adicionadas vacinas extracalendário), não vejo qualquer desvantagem. Bem pelo contrário: aos 4 meses de idade as crianças completam a primovacinação e, por isso, obtêm uma imunidade eficaz mais cedo.

Atualmente quais são as infeções em que se justifica vacinar o mais rapidamente possível?

As infeções por Bordetella pertussis (que provoca a tosse convulsa), por pneumococos, por meningococo do grupo B e por rotavírus.
Aos 12 anos de idade 100% dos indivíduos vacinados contra a tosse convulsa perderam toda a imunidade. Por isso a tosse convulsa tem vindo a aumentar muito em adolescentes, em adultos jovens e nos pequenos bebés que ainda não completaram a primovacinação. Nestas crianças muito jovens, esta infeção poderá ser grave.
O novo calendário oficial de vacinas, da Direção Geral de Saúde (DGS), com início em 01.07.2015, contempla a vacina antipneumocócica (Prevenar 13 ) aos 2, 4 e 12 meses de idade, exatamente como o calendário suíço (Tabela 3).
O pico da infeção pelo meningococo B ocorre no primeiro ano de vida, podendo começar logo nos primeiros dias de vida (figuras 4 e 5). Em 219 casos de doença meningocócica tratados no Hospital Pediátrico de Coimbra, em que tive algum tipo de participação, 11 (5%) ocorreram antes dos 3 meses de vida, dos quais um morreu e outro ficou com sequelas graves. Desde 2014 que é comercializada em Portugal a vacina Bexsero , de extracalendário oficial.


Figura 4: Recém-nascido com 13 dias de vida com sépsis por meningococo do grupo B (Hospital Pediátrico de Coimbra, Fevereiro de 1998).

Figura 5: Incidência (novos casos) da infeção por meningococo do grupo B e a progressiva aquisição da imunidade pela população.

Existem duas vacinas diferentes contra os rotavírus (Rotarix e Rotateq ), também extracalendário oficial, que deverão ser administradas, idealmente, até aos 6 meses de idade.

Não seria melhor começar a vacinação ainda mais cedo do que os 2 meses de idade?

Por enquanto não parece haver necessidade. Mas em Malta, uma ilha do mar Mediterrâneo, a primeira dose da vacina é administrada ao 1,5 mês, sendo a 2ª e a 3ª doses realizadas respetivamente aos 3 e 4 meses de vida (ver http://www.euvac.net/graphics/euvac/vaccination/malta.html).

Quando são realizadas as vacinas extracalendário (as não oficiais) nos países da Europa? E com que intervalo das vacinas oficiais?

Logo a partir dos 2 meses de idade. Sem nenhum intervalo, sim em simultâneo.
No Reino Unido a vacina Prevenar foi oficialmente introduzida há vários anos, calendarizada para os 2, 4 e 12 meses de idade em simultâneo com as outras vacinas. Em Setembro de 2015 a vacina Bexero será também englobada no Calendário oficial do Reino Unido, com atos vacinais aos 2, 4 e aos 12 meses de idade (3 doses) em simultâneo com as outras vacinas (http://www.meningitis.org/menb-vaccine).

Mas muitos enfermeiros insistem em vacinar em datas desfasadas das vacinas clássicas. Porquê?

As preocupações dos enfermeiros são algo diferentes das dos médicos. Os médicos pretendem prevenir as doenças o mais rapidamente possível. Os enfermeiros também querem minimizar o desconforto provocado pelas vacinas, pois são eles que as administram.

Qual será então a alternativa?

Tratando-se de vacinas “mortas” NÃO é preciso guardar um intervalo de um mês entre DUAS VACINAS DIFERENTES, podendo efetuar-se com QUALQUER intervalo entre si.
Se existir alguma razão para as vacinas não serem realizadas todas no mesmo dia, defendo que se pode completar a vacinação 5 a 7 dias depois. Será excessivo esperar 1 mês.
O que considero mal e abusivo é modificarem-se, sem razões científicas, calendarizações de vacinas programadas por pediatras. Será terrível, também para quem muda o plano inicialmente proposto, se uma criança adoecer com uma infeção grave que tem vacina, enquanto espera desnecessariamente pelo ato vacinal.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Desparasitação por rotina? Não!


A elevada prevalência de «lombrigas» intestinais nas décadas de 80 e 90 do século XX em Portugal, justificava a recomendação para a desparasitação por rotina contra helmintas intestinais. A baixíssima prevalência atual e o potencial benefício da infestação crónica por poucos parasitas tornou obsoleta e supérflua essa prática.
Também a simultânea desparasitação com anti-helmintas, dos conviventes humanos (em casa e nos jardins de infância) e dos animais é uma medida errada, pois não tem justificação científica.

Quais são os parasitas intestinais prevalentes em Portugal?

Existem dois tipos diferentes de parasitas intestinais capazes de provocar doenças: o protozoário Giardia lamblia (giardia) e os helmintas (as «lombrigas»).

Qual a evolução das taxas de parasitismo em crianças nas últimas décadas?

A progressiva melhoria das condições sócio-económicas, culturais e higieno-sanitárias, associado à generalização da frequência de creches e jardins-de-infância pelas crianças, fez quase desaparecer os helmintas.

Que benefícios podem ter os helmintas intestinais?

O homem sempre conviveu com helmintas. A eliminação dos parasitas do intestino, afinal nem sempre é benéfica.
Ao interferir nos mecanismos da imunidade natural, a infeção crónica de baixa intensidade por helmintas, pode conferir alguma proteção contra algumas doenças crónicas: asma, doenças inflamatórias intestinais crónicas, diabetes mellitus, outras doenças autoimunes, etc.


Conviver com animais domésticos de estimação aumenta o risco de infestação intestinal por parasitas? 

Dos parasitas intestinais humanos, apenas a giardia pode resultar do convívio com gatos e cães. Os helmintas destes animais de companhia são diferentes dos helmintas humanos. Embora não infetem o intestino humano podem provocar doença em variados outros órgãos.
Justifica-se um reforço no tratamento das parasitoses dos animais e menos nos humanos.

Devem-se ou não desparasitar por rotina (DPR) as crianças e os adultos? E devem-se desparasitar os conviventes (familiares, colegas de jardim de infância) em simultâneo?

Não!!! São várias as razões para não o fazer:
  1. Só se justifica DPR perante taxas de parasitismo por helmintas superior a 20% da população (em Portugal é inferior a 1 a 2%).
  2. Os oxiúros têm um ciclo de vida completo igual ou inferior a 28 dias; após uma DPR as crianças podem voltar a ficar infestadas em poucas semanas;
  3. Os helmintas dos animais não provocam infestação e/ou doença intestinal em seres humanos.
  4. As infestações por helmintas de baixa intensidade são autolimitadas e potencialmente benéficas.
  5. A giardia é resistente à maioria dos anti-helminticos, e mesmo ao albendazol nas doses habituais usadas nas DPR.


quarta-feira, 29 de abril de 2015

A sesta em idade pré-escolar


O tempo ocupado em 24 horas a dormir varia em função da idade e do indivíduo. Essa variabilidade (e necessidade) individual é notória desde os primeiros anos de vida. Por outro lado as sestas são claramente benéficas, pela mudança do humor da criança no imediato e pelas repercussões na clara melhoria da memória. Obrigar-se a dormir a que não tem sono será um castigo. Mas manter acordada quem, na realidade, está quase a dormir”, será um martírio inútil.


Tempo ocupado a dormir em função da idade

O tempo ocupado a dormir vai diminuindo progressivamente com a idade: variando de 15 horas nos primeiros 12 meses de vida, a 12 horas pelos 3 anos de idade. O número de sestas (entenda-se sonos diurnos) vai igualmente diminuindo com a idade: 3 no primeiro semestre de vida e 2 ao ano. Estes são números médios, havendo crianças que sempre dormem mais ou menos do que a média. A variabilidade individual é uma regra universal em todos os animais inclusive humanos. “É uma lei da vida”. A partir dos 3 anos de idade é variável a necessidade de sesta. Se existem crianças que a dispensam, para outras, será um suplício não a fazer. E fazer a sesta tem claros benefícios.



Benefícios da sesta

As crianças mais pequenas claramente precisam de dormir a sesta. Mas a sesta é útil em qualquer idade já que melhora claramente a memória e aumenta a aprendizagem das crianças em idade pré-escolar.

Benefícios da sesta

quinta-feira, 9 de abril de 2015

A doença reumática mais frequente na infância e juventude

Por definição, a artrite é a inflamação de uma articulação. As causas são muito variadas, podendo ser agudas ou crónicas (quando superiores a seis semanas) mas a maioria dos numerosos reumatismos pediátricos cursa com artrite crónica.

A doença reumática mais frequente na infância e juventude
Texto de Cláudia Pinto com Manuel Salgado

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Benefícios da sesta

As crianças mais pequenas claramente precisam de dormir a sesta. Um estudo publicado em Setembro de 2013 vem provar que a sesta será útil em qualquer idade. Melhora claramente a memória e aumenta a aprendizagem das crianças em idade pré-escolar. Se algumas crianças não querem dormir, outras sofrem por não a fazer.


As sestas são importantes para a consolidação da memória e para a aprendizagem em idade pré-escolar, refere um estudo publicado nos “Proceedings of the National Academy of Science” (PNAS). Neste estudo os investigadores da Universidade de Massachusetts Amherst, nos EUA, contaram com a participação de 40 crianças em idade pré-escolar às quais foi dada uma tarefa de visualização espacial similar aos jogos de memória no qual as crianças viram várias imagens e tiveram de recordar onde estavam localizadas.



Antes da realização do jogo, todas as crianças foram sujeitas as uma de duas condições: dormir a sesta na escola durante cerca de 77 minutos ou não dormir de todo. A memória das crianças foi testada após estas duas condições e novamente no dia seguinte, de forma a averiguar se o sono afetava os resultados dos testes realizados.
O estudo apurou que, comparativamente às crianças que faziam sesta, as que não faziam esqueciam-se da localização de um maior número de peças, numa percentagem de 75% versus 65% de precisão. Ou seja: as crianças que tinham dormido lembravam-se 10% mais da localização das peças do que as que se tinham mantido acordadas.
Os resultados também sugeriram que, quando a criança se mantinha acordada durante a tarde, o benefício associado à sesta não era recuperado durante o sono da noite. Adicionalmente parecia haver um benefício adicional no facto do sono ocorrer perto do momento de aprendizagem.

De forma a analisar os efeitos das fases do sono e se a memória era ativamente processada durante a sesta, os investigadores recrutaram ainda 14 crianças adicionais. Estes participantes fizeram sestas de cerca de 73 minutos no meio laboratorial, período durante o qual foram submetidas a uma polissonografia, um procedimento que grava as alterações biofisiológicas. Foi verificado que havia uma correlação entre a atividade associada à integração de nova informação, e os benefícios de memória decorrentes da sesta.
Os investigadores esperam que estes resultados alertem para importância das sestas e que seja dada às crianças não apenas a oportunidade de fazer a sesta, mas também que seja criado um ambiente apropriado à mesma.

O Ministério da Educação é omisso na indicação sobre este assunto.
Qual a razão de alguns jardim-de-infância obrigarem todas as crianças a NÃO dormir a sesta?


Referencias
  1. Kurdziel L, Duclos K, Spencer RM. Sleep spindles in midday naps enhance learning in preschool children. Proc Natl Acad Sci U S A. 2013 Sep 23. [Epub ahead of print]; link.
  2. Dionisio ML, Pereira I. A educação pré-escolar em Portugal. Concepções oficiais, investigação e práticas. ABŽ da Leitura. Orientacoes Teoricas. link
  3. Educacao pre-escolar. link
  4. Ministério da Educação. Departamento da Educação Básica. A educação pré-escolar e os cuidados para a infância em Portugal, 2000. link.
  5. link (texto retirado do UNIVADIS).