À excepção da vacina conta a tuberculose, o Bacillus Calmete-Guérin ou BCG, todas as restantes vacinas administradas no primeiro ano de vida são vacinas “mortas”. Atualmente estas vacinas contêm apenas alguns dos constituintes dos agentes infeciosos. Sendo muito “puras”, são muito bem toleradas, sem efeitos secundários ou com reações locais ligeiras e/ou com febre baixa e de curta duração.
Mas sendo vacinas “mortas”, não se multiplicam. Por isso não induzem suficientes respostas imunitárias apenas com uma dose de vacina. Daí que sejam necessárias 2 a 3 doses sequenciais da MESMA vacina para se completar a primovacinação (o número de doses necessárias é variável de vacina para vacina). Mais tarde, serão necessários reforços para o organismo se ir “lembrando” depois dessas infeções.
Como se deve calendarizar a primovacinação com vacinas “mortas”?
A calendarização das vacinas no primeiro ano de vida não é uniforme de país para país. Na Europa existem vários esquemas (Tabelas 1, 2 e 3)
Tabela 1: Calendarização da vacinas no primeiro ano de vida em 34 países europeus:
2-3-4 meses
|
2-4-6 meses
|
Esquemas variáveis
|
Alemanha
|
Áustria
|
Dinamarca
|
Bélgica
|
Chipre
|
Eslováquia
|
Bulgária
|
Croácia
|
Estónia
|
Escócia
|
Espanha
|
Finlândia
|
Eslovénia
|
Grécia
|
Islândia
|
França
|
Irlanda
|
Itália
|
Holanda
|
Letónia
|
Malta
|
Hungria
|
Lituânia
|
Noruega
|
Inglaterra
|
Portugal
|
Polónia
|
Luxemburgo
|
Roménia
|
República Checa
|
País de Gales
|
Suíça
|
Suécia
|
|
Turquia
|
|
Qual o é esquema simultaneamente mais eficaz e mais seguro?
Nenhum é mais eficaz nem mais seguro. Para uma vacina “morta” ser eficaz, o intervalo mínimo entre OUTRA DOSE DA MESMA VACINA é de 1 mês. O cumprimento da primovacinação é que parece ser maior com o esquema 2-4-6, o contribuiu para que 35% dos países europeus tenham optado por este esquema (Tabela I).
Tabela 2: Calendário vacinal alemão
DTaP: D - Difteria; T- tétano, aP - Pertussis acelular (tosse convulsa acelular); IPV - vacina antipoliomielite inativada; Hib - Haemophilus influenza to tipo b; PCV- vacina antipneumocócica; MenC - vacina antimeningococo C; MMR = VASPR - vacina do sarampo, parotide e rubéola; Var - vacina da varicela; dTap = DTaP; HPV - contra o papilomavírus (do cancro do colo do útero); (
http://www.euvac.net/graphics/euvac/vaccination/germany.html)
Tabela 3: Calendário vacinal suíço (igual ao português)
PCV – vacina antipneumocócica
(
http://www.euvac.net/graphics/euvac/vaccination/switzerland.html)
Siglas – ver legenda da Tabela 2.
Quais as desvantagens do esquema 2-3-4 meses?
Para além do número de vacinas num só dia (ainda mais quando são adicionadas vacinas extracalendário), não vejo qualquer desvantagem. Bem pelo contrário: aos 4 meses de idade as crianças completam a primovacinação e, por isso, obtêm uma imunidade eficaz mais cedo.
Atualmente quais são as infeções em que se justifica vacinar o mais rapidamente possível?
As infeções por Bordetella pertussis (que provoca a tosse convulsa), por pneumococos, por meningococo do grupo B e por rotavírus.
Aos 12 anos de idade 100% dos indivíduos vacinados contra a tosse convulsa perderam toda a imunidade. Por isso a tosse convulsa tem vindo a aumentar muito em adolescentes, em adultos jovens e nos pequenos bebés que ainda não completaram a primovacinação. Nestas crianças muito jovens, esta infeção poderá ser grave.
O novo calendário oficial de vacinas, da Direção Geral de Saúde (DGS), com início em 01.07.2015, contempla a vacina antipneumocócica (Prevenar 13 ) aos 2, 4 e 12 meses de idade, exatamente como o calendário suíço (Tabela 3).
O pico da infeção pelo meningococo B ocorre no primeiro ano de vida, podendo começar logo nos primeiros dias de vida (figuras 4 e 5). Em 219 casos de doença meningocócica tratados no Hospital Pediátrico de Coimbra, em que tive algum tipo de participação, 11 (5%) ocorreram antes dos 3 meses de vida, dos quais um morreu e outro ficou com sequelas graves. Desde 2014 que é comercializada em Portugal a vacina Bexsero , de extracalendário oficial.
Figura 4: Recém-nascido com 13 dias de vida com sépsis por meningococo do grupo B (Hospital Pediátrico de Coimbra, Fevereiro de 1998).
Figura 5: Incidência (novos casos) da infeção por meningococo do grupo B e a progressiva aquisição da imunidade pela população.
Existem duas vacinas diferentes contra os rotavírus (Rotarix e Rotateq ), também extracalendário oficial, que deverão ser administradas, idealmente, até aos 6 meses de idade.
Não seria melhor começar a vacinação ainda mais cedo do que os 2 meses de idade?
Por enquanto não parece haver necessidade. Mas em Malta, uma ilha do mar Mediterrâneo, a primeira dose da vacina é administrada ao 1,5 mês, sendo a 2ª e a 3ª doses realizadas respetivamente aos 3 e 4 meses de vida (ver
http://www.euvac.net/graphics/euvac/vaccination/malta.html).
Quando são realizadas as vacinas extracalendário (as não oficiais) nos países da Europa? E com que intervalo das vacinas oficiais?
Logo a partir dos 2 meses de idade. Sem nenhum intervalo, sim em simultâneo.
No Reino Unido a vacina Prevenar foi oficialmente introduzida há vários anos, calendarizada para os 2, 4 e 12 meses de idade em simultâneo com as outras vacinas. Em Setembro de 2015 a vacina Bexero será também englobada no Calendário oficial do Reino Unido, com atos vacinais aos 2, 4 e aos 12 meses de idade (3 doses) em simultâneo com as outras vacinas (
http://www.meningitis.org/menb-vaccine).
Mas muitos enfermeiros insistem em vacinar em datas desfasadas das vacinas clássicas. Porquê?
As preocupações dos enfermeiros são algo diferentes das dos médicos. Os médicos pretendem prevenir as doenças o mais rapidamente possível. Os enfermeiros também querem minimizar o desconforto provocado pelas vacinas, pois são eles que as administram.
Qual será então a alternativa?
Tratando-se de vacinas “mortas” NÃO é preciso guardar um intervalo de um mês entre DUAS VACINAS DIFERENTES, podendo efetuar-se com QUALQUER intervalo entre si.
Se existir alguma razão para as vacinas não serem realizadas todas no mesmo dia, defendo que se pode completar a vacinação 5 a 7 dias depois. Será excessivo esperar 1 mês.
O que considero mal e abusivo é modificarem-se, sem razões científicas, calendarizações de vacinas programadas por pediatras. Será terrível, também para quem muda o plano inicialmente proposto, se uma criança adoecer com uma infeção grave que tem vacina, enquanto espera desnecessariamente pelo ato vacinal.