segunda-feira, 25 de abril de 2016

Infantarites ou “carrosséis de infeções” em crianças que frequentam creches ou jardins-de-infância

As crianças logo que entram nas creches iniciam uma sucessão de infeções. Durante os primeiros 12 meses, algumas chegam a adoecer 2 a 3 vezes por mês. No ano seguinte a taxa de infeções fica reduzida a menos de metade e assim sucessivamente. Depois essas crianças ficarão bem muitos meses.
Existem cerca de 1.000 vírus que podem provocar doenças em humanos. Mas, em mais de 95% das infeções, tratam-se de doenças benignas e autolimitadas.
O amplo convívio de muitas crianças num espaço confinado, associado à permanente criação de superfícies e objetos contaminados com agentes infeciosos (as fomites), proporcionam fáceis e contínuos contágios em ping-pong.
Na larga maioria destas infeções, nem as crianças doentes nem as conviventes beneficiam realmente da exclusão das com sintomas.


Nos primeiros dois anos da frequência das creches ou dos jardins-de-infância são muito frequentes as daycaritis (“infantarites”) que consistem da sucessão de infeções banais e benignas com intervalos muito curtos entre elas.

Em mais de 95% dos casos trata-se de episódios sem gravidade, mas muito frequentes e que se repetem a intervalos muito curtos. Os aparelhos mais vezes envolvidos são o aparelho respiratório superior e inferior, o tubo digestivo e a pele: simples constipações (rinofaringites), otites médias agudas, conjuntivites, infeções várias envolvendo a boca (estomatites), infeções da garganta (faringites, amigdalites), infeções virusais das vias respiratórias inferiores (laringotraqueítes, bronquites, bronquiolites), diversas erupções cutâneas (exantemas), gastroenterites agudas, infeções cutâneas, episódios febris sem causa evidente, etc.

Figura: Conjuntivite bacteriana
Algumas crianças chegam a adoecer 2 a 3 vezes por mês, podendo totalizar 20 a 30 novos episódios de doença aguda no primeiro ano de creche.
Esta tremenda sequência de infeções, por vezes quase sem intervalos livres, sugere aos pais poderá tratar-se duma mesma situação, ou da existência duma condição subjacente debilitante, sobretudo de “défice das defesas”.

Na realidade trata-se da exposição quase ininterrupta a variados e múltiplos agentes infeciosos.
Em qualquer país, a extraordinária frequência destas infeções banais, e a consequente cumulativa duração de dias de doença sofridos por estas crianças, associado ao respetivo absentismo ao trabalho pelos pais, transformam as “infantarites” num pesado fardo social e económico para as famílias, para as diversas estruturas económicas, para o Serviço Nacional de Saúde e para o País.

Só o devido esclarecimento dos pais, dos cuidadores e da população se poderão tomar as medidas preventivas possíveis. Mas também obviar de preocupações desnecessárias, de reduzir os consumismos em cuidados de saúde e de minimizar os incómodos vividos pelas crianças e suas famílias.


Artigo Completo

Infantarites ou “carrosséis de infeções” em crianças que frequentam creches ou jardins-de-infância: mais infeções no início, menos mais tarde

O nome “infantarites” e a frequência destas infeções

Em 2013, a médica americana Pamela Bailey usou e definiu pela primeira vez a designação de “daycaritis”, que tento traduzir pelo neologismo infantarites.
As alternativas a este nome seriam “infantariosites”, “crechites”, “jardinites”, “jardinzites” ou frases tais como “carrosséis de infeções nos infantários”.
Se bem que esta última traduza o essencial, optei por “infantarites”. Aos outros caberá aceitar ou sugerir um nome melhor.
A Figura 1 mostra a elevada frequência de infeções no início, mas também a variabilidade do número de infeções de criança para criança.

Figura 1: As “infantarites” têm o pico de ocorrência nos primeiros 12 meses de após a entrada nos infantários. Algumas destas “novas” crianças chegam a adoecer 2 ou mais vezes por mês; estas infeções continuam a ser muito frequentes no segundo ano da “escolinha”, mas progressivamente, vão reduzindo de número.



O que são infantarites?

São “carrosséis de infeções” (umas infeções atrás das outras) em crianças que frequentam creches ou jardins-de-infância.
São infeções frequentes e recorrentes (repetem-se), envolvendo:
  1. As vias aéreas superiores e a mucosa conjuntival: rinofaringites (as banais “constipações” ou “catarros respiratórios superiores”, sinusites, otites médias agudas, estomatites (doenças da boca), faringites e/ou amigdalites (Figuras 2 e 3), conjuntivites; e/ou
  2. As vias aéreas inferiores: laringites, laringotraqueítes, traqueítes, laringotraqueobronquites, bronquites infeciosas, bronquiolites, broncopneumonias virusais; e/ou
  3. Aparelho gastrointestinal; gastroenterites por vírus, por parasitas (sobretudo Giardia) ou por bactérias (Escherichia coli, Salmonelas, toxina do Estafilococus aureus, …)
  4. Infeções sem óbvia focalização: síndrome febril sem foco com conservação do estado geral, febre sem foco com discreta rinorreia e/ou tosse associada.
  5. Exantemas (manchas na pele) banais, sejam virusais ou bacterianos (exemplo escarlatina – Figuras 6 e 7) no decurso ou não de febre.
Figura 2: Um ponteado petequial no palato mole é muito característico duma faringite / amigdalite que exigirá antibiótico (faringite / amigdalite por Estreptococo do grupo A).

Figura 3: Placas brancas exuberantes nas amígdalas, sem manchas no palato mole e sem vermelhidão da garganta é muito característico de amigdalites por vírus. Se o “teste rápido” for negativo (Figuras 3, 4 e 5), o tratamento com antibióticos não traz qualquer benefício.

Figuras 4 e 5: Esquema sobre a colheita de secreções na garganta para a realização do “teste rápido”.

Figura 6: Exantema virusal (benigno) que surgiu ao 5º dia de doença e de febre.

Figura 7: Escarlatina – exantema sem pele poupada; a escarlatina exige sempre antibiótico.

Quais as razões para a ocorrência destas infeções em tão curto espaço de tempo?

As razões são essencialmente duas:
  • Disponibilidade e oportunidade para adoecer
  • “Oferta” de agentes infeciosos 
Estas crianças “põe-se a jeito”. Ou antes, as condições sociais próprias dos dias de hoje, é que “colocam as crianças a jeito” de contactarem permanentemente com esses agentes infeciosos. O convívio diário de muitas crianças num espaço confinado, vão contaminando-se reciprocamente umas às outras num perfeito ping-pong (Figura 8) e simultaneamente contaminam com agentes infeciosos os brinquedos, as mesas, os bibes, etc. produzindo-se assim as ditas “fomites”. Estas últimas constituem fontes de contágios, contínuas e quase inevitáveis, mesmo que as crianças sintomáticas sejam excluídas temporariamente do grupo.

Figura 8: Quando uma criança tosse ou espirra projeta, para cima dos outros, gotículas infetadas que contagiarão os outros mas também contaminam os objetos, a roupa, etc. Estas superfícies infetadas (fomites) mantêm-se como fontes contágio durante dias ou até semanas.


Disponibilidade e oportunidade

Ao nascer a criança traz como herança as imunoglobulinas maternas, recebidas através da placenta, em especial no último trimestre da gravidez. Só as imunoglobulinas IgG da mãe passam a placenta e só estas depois circularão no sangue dos bebés. Estes começam a produzir anticorpos antes de nascer se a mãe contrair alguma doença infeciosa (Figura 9).
Estas imunoglobulinas (IgG) conferem imunidade para a maioria das infeções virusais banais até cerca dos 6 meses de vida da criança. Estas estarão protegidas das infeções que a mãe contraiu ao longo da vida.

Figura 9: Os anticorpos maternos IgG, transmitidos através da placenta, protegem os bebés nos primeiros 6 meses de vida. Depois desta idade, a criança terá de adquirir imunidade por si só, contraindo doenças (sintomáticas ou não); ou pela simulação destas por vacinas. A criança depois produzirá as imunoglobulinas IgM, IgG e IgA.

A entrada nas creches (na maioria das vezes, logo nos primeiros 2 anos de vida) e/ou nos jardins-de-infância, coincide com o período da vida em que estas crianças já não têm os anticorpos maternos e pela tenra idade, ainda não adquiram qualquer imunidade para infeções, pois não tiveram tempo para isso.
As vacinas administradas no 1º ano de vida são dirigidas a bactérias e não a vírus, exceto as vacinas contra os rotavírus que provocam diarreias.


Oportunidade:

Nunca na vida uma criança estará mais tão propícia a adoecer. Existem cerca de 1.000 vírus que podem provocar doenças em humanos: são exemplos 101 os rinovírus (os vírus das constipações), os 51 adenovírus, os 13 rotavírus (os vírus mais frequentemente causadores de diarreias agudas), os vários vírus da gripe.
Para complicar, os diferentes vírus frequentemente têm variantes (“cepas”), justificando sucessivas reinfeções, como é caso da gripe.
As viroses existem mesmo. Os pais é que estão mal informados.


Depois o que acontece?

Independentemente da idade com que uma criança entra (ou não) no infantário - antes dos 2 anos de idade; após os 2 anos de idade; nunca frequentou o infantário - aos 10 anos de idade, a taxa de infeções das crianças é semelhante nos 3 grupos. A frequência e a idade com adoeceram, é que foram diferentes:
  1. Uns levaram logo um “banho de infeções”, sobretudo nos primeiros 12 meses de estadia na creche;
  2. Outros foram-se “molhando com infeções” sobretudo no início dessa estadia.
  3. Outros foram-se “salpicando” espaçadamente, durante 10 anos, de agentes infeciosos.
Aos 10 anos, pós criar imunidade às múltiplas infeções, pouco ficará para contrair. Uma vez imunes, as crianças ficarão tempos e tempos sem adoecer (Figura 1).



E lembremo-nos de duas coisas:
  1. As viroses existem mesmo e são incontáveis;
  2. Só poderemos ser saudáveis na vida adulta, se formos adoecendo e criando imunidade cumulativa enquanto somos jovens, preferencialmente durante a infância.