O termo “gripe” e “gripal” são muitas vezes mal usados, por incluírem outras infeções provocadas por diferentes vírus respiratórios. Isto acontece porque o vírus da gripe foi o primeiro vírus a ser descrito há 80 anos, e pelas semelhanças nas manifestações clínicas e na evolução dessas diferentes infeções virusais.
O que é a gripe?
É a infeção provocada pelos vírus influenza. Os mais vezes responsáveis por doenças em humanos são os do tipo A (Figura 1), menos vezes os do tipo B e raramente os do tipo C.Figura 1: Esquema do vírus da gripe com os dois tipos de antigénios de superfície: hemaglutinina e neuraminidase.
Como se manifesta a gripe?
A gripe infeta sobretudo o aparelho respiratório – nariz, garganta, brônquios e pulmões – manifestando-se com febre alta, calafrios, obstrução nasal, tosse e dor de garganta (Figuras 2 e 3).Figura 2: Invasão do aparelho respiratório pelo vírus da gripe
Na realidade a gripe afeta todo o organismo, comprovado pelas dores musculares generalizadas, falta de apetite, falta de forças e sonolência excessiva (letargia) (Figura 3).
Figura 3: Clínica da gripe
Pode apanhar-se a gripe todos os anos?
Sim, em especial durante as epidemias anuais próprias dos meses de inverno. Estas podem iniciar-se ainda no outono ou no final do inverno, podendo prolongar-se pela primavera (Figura 4).Os vírus influenza A e B mantêm-se viáveis na população durante todo o ano. Por isso, alguns indivíduos poderão adoecer com gripe mais do que uma vez por ano.
Figura 4: Padrão epidemiológico anual das infeções das vias aéreas inferiores pelos vírus respiratórios mais frequentes: metapneumovírus, sincicial respiratório, influenza, parainfluenza e adenovírus, de Julho a Junho; dados de 25 anos de vigilância pela Vanderbit Vaccine Evaluation (EUA).
Como é que se distinguem os subtipos do vírus da gripe?
Os vírus da gripe do tipo A são classificados em subtipos consoante a presença de dois antigénios glicoproteicos na sua superfície: hemaglutinina (H) e neuraminidase (N) – (Figuras 1 e 5). Pelo facto de existirem 16 glicoproteínas H e 9 N diferentes, são possíveis múltiplas combinações.Figura 5: Esquemas de: a) Antigénios virusais: frações proteicas específicas dos agentes agressores (vírus, bactérias, etc.), que reconhecidas pelo organismo como estranhas; b) Anticorpos: complexos de proteínas produzidos pelo organismo como resposta específica contra esses antigénios; c) Complexos Ag-Ac: combinação/ligação do antigénio com o anticorpo
A infeção pelo vírus da gripe não dá imunidade?
Na prática, dado que a estirpe da próxima epidemia será, em regra, diferente da dos anos anteriores, justifica a ausência de imunidade.Os vírus influenza mudam constantemente na sua forma antigénica, por mutações genéticas ou por recombinações entre as estirpes atuais do subtipo do vírus – com modificações drift (minor) e shift (major) dos antigénios de superfície – e o consequente aparecimento de novas estirpes.
Após cada infeção são produzidos anticorpos com grande especificidade para essa variante (estirpe) do subtipo do vírus responsável por essa infeção (Figura 5). Mas as menores taxas de infeção anual nos adultos, comparativamente às crianças, refletem a imunidade adquirida (total ou parcial), ao longo dos anos, para os diversos subtipos e estirpes dos vírus da gripe.
A gravidade dos subtipos de gripe é diferente?
Sim. Por exemplo, as infeções pelo subtipo H3N2 tendem a ser mais graves comparativamente ao subtipo H1N1. Os subtipos mais perigosos são os H5 e os H7. A pandemia que, desde 1997, se prevê poder vir a acontecer um dia, pelo subtipo H5N1 (conhecida por “gripe das aves”), com origem em Hong Kong, previsivelmente será muito mais grave do que a pandemia de 2009 pelo vírus H1N1.Qual a verdadeira origem dos vírus da gripe?
As aves migratórias são os principais focos originais de infeção (hospedeiros ou reservatórios). Por contágio, também as aves domésticas (galinhas, patos, perus) e, menos vezes, os porcos e os cavalos podem tornar-se hospedeiros (Figura 6).Figura 6: Hospedeiros ou reservatórios naturais do vírus da gripe
Em regra esses subtipos do vírus da gripe são específicos desses animais, sendo os humanos, de um modo geral, resistentes aos mesmos.
Excecionamente, nalguma parte do Mundo, um desses subtipos passa a provocar doença em humanos. Se esse novo foco não for rapidamente controlado, estará iniciada uma nova pandemia que afectará, em poucos meses, todo o Mundo.
Assim sucedeu ao longo dos séculos, como se depreendem dos relatos compatíveis com “gripe” desde há mais de 2.000 anos.
Nos últimos 100 anos ocorreram 5 pandemias: 1918 pelo vírus H1N1 – a “gripe espanhola”, que provocou mais 50 milhões de mortos em todo o Mundo – cerca de 3% a 5% da população mundial (Figura 7), 1957 (H2N2), 1968 (H3N2), 1977 (H1N1), 2009 (H1N1).
Figura 7: Hospitalização improvisada de soldados doentes (EUA) na pandemia de 1918
Após uma pandemia, esses subtipos patogénicos ficam endémicos na população, sofrendo depois sucessivas pequenas alterações (estirpes) em relação ao vírus inicial pandémico.
Pode dizer-se que “infeção por um vírus respiratório”, “gripe”, “síndrome gripal” são mesma coisa?
Não. O vírus da gripe foi o primeiro vírus respiratório a ser conhecido em 1933.Atualmente conhecem-se cerca de 1.000 vírus capazes de induzir doenças em humanos (“as viroses”). Na sua maioria invadem o aparelho respiratório e manifestam-se com febre e sintomas respiratórios agudos semelhantes aos da gripe.
Razões históricas e nas semelhanças clínicas e na evolução, estão na origem da utilização abusiva das expressões “é uma gripe” e “é um síndrome gripal”, tanto pela população, como pelos próprios profissionais de saúde (Figura 8).
Da análise da figura 4, poderá concluir-se que, alguns dos picos de infeções que ocorrem nos meses de inverno, não são devidos a surtos de gripe.
Na dúvida seria preferível dizer-se “vírus respiratório”.
Figura 8: A confusão entre “resfriado” e gripe são o dia a dia em qualquer país.
Que outros vírus provocam infeções que se podem confundir com a gripe?
Os mais importantes são os vírus sincicial respiratório (subgrupos A e B, cada um com numerosas estirpes), os adenovírus (> 50), os coronavírus (> 4), os parainfluenza (4 tipos), os rinovírus (> 100), os metapneumovírus, os enterovírus (poliovírus, coxsakievírus do grupo A e B, echovírus, novos enterovírus – num total > 90), etc., todos mais comuns nos meses de inverno (Figura 4).Proximo texto: Gripe sazonal - 2ª parte: Formas de contágio
- Gripe sazonal - 1ª parte: Caracterização do vírus
- Gripe sazonal - 2ª parte: Formas de contágio
- Gripe sazonal - 3ª parte: Manifestações clínicas e sua duração
- Gripe sazonal - 4ª parte: Potenciais complicações e os “Grupos de Risco”
- Gripe sazonal – 5ª parte: Diagnóstico, tratamentos e sinais de gravidade
- Gripe sazonal - 6ª parte: As vacinas e as medidas preventivas dos contágios
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