quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

A gripe sazonal - 5ª parte: Diagnóstico, tratamentos e os sinais de gravidade

O diagnóstico da gripe é baseado exclusivamente em dados clínicos, reservando-se os exames laboratoriais para os casos graves ou complicados.
A larga maioria doentes pouco ou nada beneficia em recorrerem aos serviços de urgência e/ou ao médico assistente, pois a gripe não tem tratamento específico.
Apenas se recomendam fármacos para alívio da febre e das dores. Os antibióticos só se justificam se surgirem complicações.



O diagnóstico de gripe:

Em regra o diagnóstico de “gripe” é baseado exclusivamente em dados clínicos (Quadro I).

Quadro I: Clínica típica da gripe em adultos (na criança – ver texto 3)
  • Febre > 39ºC
  • Calafrios (= arrepios, tremores generalizados com tiritar dos dentes)
  • Tosse perturbadora (inicialmente seca)
  • Dores de cabeça (cefaleias)
  • Dores garganta (faringite)
  • Dores musculares (mialgias)

Este quadro clínico durante uma epidemia reconhecida de gripe, terá uma probabilidade de 80% de ser efetivamente gripe (os restantes 20% dizem respeito a outros vírus respiratórios).

Nas crianças com gripe, os calafrios e as mialgias são muito menos frequentes do que nos adultos. Daí que a sua presença em crianças seja atípico, sugerindo antes uma complicação.

As análises laboratoriais inespecíficas não ajudam a distinguir a gripe dos diferentes vírus respiratórios.
O diagnóstico de certeza, reservado para situações excecionais, faz-se pela identificação do vírus da gripe nas secreções respiratórias (métodos rápidos) ou por doseamento de anticorpos no sangue (métodos morosos).

Qual é o tratamento da gripe?

A gripe não tem tratamento específico: apenas estão indicados analgésicos/antipiréticos - paracetamol, ibuprofeno - para alívio da febre e das dores. Nas crianças deve evitar-se a aspirina (ácido acetilsalicílico) e os seus derivados pelo risco de poderem desenvolver síndrome de Reye.
São de utilidade controversa os fármacos para a tosse, estando contraindicados os antitússicos antes dos 2 anos de idade.

Existem gripes “mal tratadas” ou “mal curadas”?

Não. Estas expressões de uso comum são incorretas. As gripes não se tratam: evoluem espontaneamente.

Mas não existem tratamentos antigripais específicos?

Sim, existem 4 fármacos - oseltamivir, zanamivir, amantadina e rimantadina - que estão indicados apenas nas gripes sazonais graves e nas gripes pandémicas.
Não são antibióticos. Apenas reduzem a gravidade e a duração da gripe, e somente quando iniciados nas primeiras 48 horas de doença. E não evitam a maioria das complicações. Mesmo nos indivíduos pertencentes aos “Grupos de Risco”, raramente estão indicados.

E os antibióticos?

Nos surtos de gripe assiste-se ao aumento de 10% a 30% na prescrição de antibióticos, maioritariamente de forma inapropriada.
Os antibióticos não têm qualquer utilidade nas infeções provocadas por vírus, nem previnem as complicações bacterianas referidas no 4º texto. Mas justificar-se-ão antibióticos se estas, entretanto, ocorrerem.

Que “Sinais de Alerta” clínicos devem sugerir a probabilidade de complicações no decurso da gripe?

No Quadro III estão descriminadas as manifestações clínicas que devem sugerir potencial complicação da gripe e da necessidade de observação médica urgente.


Quadro III: “Sinais de Alerta” que justificam consulta urgente no decurso da gripe (e doutra infeção respiratória semelhante à gripe)

  • Febre (ver Figura 1):
    • Superior a 40ºC axilar (> 41ºC auricular ou rectal)
    • Duração superior a 5 a 6 dias sem melhoria
    • Ressurge após 1 a 2 dias sem febre
    • Agravamento da febre quando parecia que ia melhorar
    • Em idade pediátrica, também quando:
      • associada a calafrios prolongados e/ou
      • ficar com os lábios e/ou os dedos roxos.
  • Presença de sinais de dificuldade respiratória: aumento da frequência respiratória (Tabela I), “canseira” a respirar, esforço ou “opressão” para respirar, “falta de ar”, gemido frequente com respiração entrecortada com…hhhann…hhhann …hhhann…, tiragem (retração da pele entre as costelas) (Figura 2).
  • Prostração – “é, estando acordado, comportar-se na alma e no corpo como se estivesse a dormir”
  • Alteração do estado de consciência (sonolência excessiva)
  • Convulsões
  • Vómitos repetidos (> 4-5 em poucas horas, fora das refeições)
  • Frequência cardíaca aumentada ou arritmias
  • Canseira excessiva
  • Dor torácica ou abdominal persistente
  • Dor muscular intensa para pequenos esforços (por miosite aguda, que é muito dolorosa)
  • Incapacidade para comer e/ ou recusa completa dos alimentos (em > 2 refeições)

Figura 1: Características da febre que devem sugerir infeção bacteriana secundária e outros sinais sugestivos de complicação no decurso da gripe.

Figura 2: Tiragem entre as costelas (retração - seta) que é sempre sinal de esforço respiratório


O que é a frequência respiratória (FR) e qual o seu interesse?

A FR é o número de ciclos respiratórios (a inspiração mais a expiração) num minuto. Determina-se pelo número de inspirações durante um minuto (contar durante 15 segundos e multiplicar por 4). Deve ser avaliada numa fase sem febre ou com febre baixa e, preferivelmente, com o doente a dormir.
Na criança, a FR é um excelente indicador da presença ou não de complicações respiratórias: FR aumentada, podem existir; FR normal, será improvável.



Tabela I: Frequência respiratória (nº de inspirações por minuto) normal e na doença respiratória (a dormir)

Idades
“Normal”
Duvidosa
Aumentada
< 12 meses
< 40
40-60
> 60
1-3 anos
< 30
30-45
> 45
3 - 8 anos
< 25
25-35
> 35


Nas crianças:
O aumento da frequência respiratória é sempre o primeiro sinal de dificuldade respiratória.
Uma frequência respiratória normal torna muito improvável existir uma complicação pulmonar ou das vias aéreas.


Nas epidemias da gripe, é comum serem emanadas recomendações da Direção Geral de Saúde (DGS) desaconselhando os doentes de recorrerem aos serviços urgência. Porquê?

Uma vez que a gripe não complicada não tem tratamento específico, nem precisa de exames complementares nem de antibióticos, a larga maioria dos doentes pouco ou nada beneficia em recorrer aos serviços de saúde.
Muitos serão medicados desnecessariamente com antibióticos. Por outro lado, na mesma altura circulam na população vários tipos de infeções respiratórias. Assim, arriscam-se a contraírem aí uma segunda e uma terceira infeção num curto espaço de tempo.


Próximo texto: Gripe sazonal – 6ª parte: As vacinas e as medidas preventivas dos contágios.


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